quinta-feira, 14 de julho de 2011

Janela

"Não, não é possível. Quisesse o acaso que minha pessoa morresse antes. Dois meses atrás, para conter este recado alguma precisão. Há dois meses atrás, eu tinha acabado de ir ao show mais espetacular de minha vida (Macca, my love, I'm so sorry). Tinha um homem tão perfeito junto de mim, me fazia acreditar ser realmente amada. Tinha amigos e me divertia com eles, fazíamos-nos muito bem mutuamente, sempre. Tirava notas boas na escola, quase sempre. Era boa para meus pais e para meu irmão mais novo. Eu fazia-lhes bem. Não tinha maiores preocupações, levava perfeita vida. Todos viveriam melhor assim. Muito melhor. Há dois meses atrás, eu tinha a plena certeza de seguir uma carreira, mudar-me para o exterior, tornar-me respeitada profissional. Ser boa para todos, fazer o bem na medida que me fosse possível. Isso foi há dois meses atrás. Agora (o que direi de agora?) o acaso me desgraçou, não me quer mais. Não tenho mais certeza de que raios carreira quero seguir. O show ao qual fui não me causa mais tanto êxtase ao passar-me (vagamente, devo dizer) pelas lembranças. O homem ao qual amei, não quer-me mais, alimentara ele às minhas ilusões e esperanças a seu respeito. Não mais falamo-nos. Perco um namorado, um parceiro, um irmão e um amigo, todos na mesma pessoa. Os amigos aos quais eu fazia bem, não mais possuo-me de tal dom. Sou agora companhia perturbadora, irritante, não mais agradável como outrora. Um de meus amigos optou pelo homossexualismo por minha culpa, por minhas bobagens. Caço brigas com minha família, sou pessoa rancorosa, amarga. Minhas notas obtiveram declínio recorde, ainda mato meus pais de desgosto. Poderia perfeitamente o acaso fazer-me da vida o quinto dos infernos, mas sem a capacidade de percebê-lo. Não, o acaso é nefasto e maquiavélico. Transforma-me a vida nisto e fecha-a com chave de ouro, dando-me a capacidade de perceber o quão nociva estou sendo a todos de quem tenho conhecimento. Pior, até. Poderia o acaso dar-me fim à vida há exatos sessenta dias atrás. Todos se lembrariam de mim como a namorada, a amiga, a filha, aluna e irmã a quem muitos gostavam. Não. Morrendo agora, serei a que um dia foi querida. Percebo minha desgraça, portanto, aqui vão algumas verdades cujas quais muitos necessitam ter conhecimento:
 - O homem ao qual amei (quem conhece-me de perto sabe de quem se trata), continuo a amar, mesmo que não mais sendo correspondida. ... , não te desesperes, amei-te da maneira com a qual julguei melhor. Peço desculpas por não mais ter falado contigo. Amo-te.
-Meus amigos queridos e família. Passei os últimos tempos desdenhando de vós, tratando-os como não mereciam, sem autoridade nenhuma para me basear em. Lembrem-se de mim tal como eu era antes de virar este monstro, lembrem-se de mim como ''a garota que sorri'', ou como queiram. Adoro-os todos e não me vim a demonstrar. Não sei o que há comigo.
-Aos professores: sim, sou desleixada, deveria ter estudado mais, me esforçado mais, teria tirado notas melhores se me restasse alguma alegria na alma. Desculpem.
Tendo tais sentimentos devidamente expressados, nada mais me resta, nada mais me prende. Não se entristeçam, por favor. Eu não me valho de nada"
Assim foi encontrada uma carta manuscrita no quarto de Anna. A janela estava aberta.

2 comentários:

w disse...

Ah... é um conto... Eu já estava pensando no conselho que lhe ia dar, quando cheguei ao final...

Obrigado pela visita.

Ingrid disse...

Podes dar o conselho que achares melhor, aliás, agradeceria pelo mesmo =P. Quanto à visita, de nada. Tens um ótimo blog.
Abraços,
Ingrid.