terça-feira, 5 de julho de 2011

Amor2

Era incapaz. Queria, queria, mas não adiantava. Era incapaz de amar. Nem aos próprios pais, nem ao irmão, nem a ninguém. Não chorava em filmes, nem mesmo em funerais. Não se sentia nervosa ao estar perto de ninguém (tal como descrevem os apaixonados o amor), chorava apenas por raiva. Nunca por tristeza, nem por amor. Achava ser ela desprovida de sentimentos, tal como um robô. Não conseguia amar. Via lados bons, claro. Sendo incapaz de amar, não sofria desilusões de mesma natureza, não se cegava perante a magnificência fictícia que é, a ela,  a paixão. Via a tudo com a maior racionalidade possível. No entanto, sonhava sempre à noite sobre como seria "o sentir". Chorar num filme, por amor, sentir calor no peito ao se aproximar, sequer pensar, em alguém. Seria maravilhoso. Concluiu finalmente que precisava de uma definição para 'amor'. O problema não estaria nela se todos, na realidade, tivessem os mesmos 'não-sentimentos' que ela, maquiando-os através de hipócritas encenações cotidianas. Perfeito, tendo a definição de amor em mãos, saberia exatamente se amava ou não. Questão: o que é amor? Amava aos pais? Sim. Ao irmão? Claro. Mas não sentia por eles nada de diferente com relação às outras pessoas. Amava-os porque eram sua família. Todos eles faziam tudo, por ela, o que lhes fosse possível. Davam-na carinho, colo, comida, teto, educação, tudo o que sempre quisera. Tal afeição não tem como ser retribuída. Por isso, achava ser obrigatório, achava correto amá-los. Mas normalmente, passa-se por tal reflexão antes de se amar? Pelo que lhe disseram, 'amor' é algo irracional, não se pensa nem se reflete, unica e somente se ama. O amor se basta, não se apoia em dados, quanto mais no uso da razão. Ela o fazia, mas poderiam todos fazê-lo em seu interior, iludindo-a para que pensasse não saber amar. Continuava sem a sua preciosa definição sobre o que é o amor. Caso um dia encontrasse-a talvez, pela primeira vez se apaixonasse. Pelo amor.

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